Algumas reflexões <br>sobre o combate à pobreza
Enfrentar a pobreza impõe não só um diagnóstico da realidade mas avaliar as suas causas e sobre elas actuar. Impõe uma mudança de fundo nas orientações políticas e ideológicas que têm vindo a ser seguidas.
Mais de 70% dos cidadãos têm como única fonte de rendimento o salário ou a pensão
As causas do agravamento das desigualdades sociais e da pobreza encontram-se nas orientações concretizadas pelos diversos governos, que se afastam do espírito e da letra da Constituição da República por se posicionarem ao serviço do grande patronato e do capital financeiro, favorecendo a concentração nestes da riqueza, libertando-os das suas responsabilidades para com o desenvolvimento económico do País e oferecendo-lhes importantes áreas sociais como novas e importantes fontes de lucros.
Não é por acaso que Portugal continua a ter um dos mais elevados graus de desigualdade na distribuição do rendimento nacional da União Europeia. A proporção do rendimento recebido, em 2004, pelos 20% da população com maiores rendimentos era 7,2 vezes superior à recebida pelos 20% da população de menores rendimentos, contra os 4,8 da UE.
A fortuna das 10 famílias mais ricas - avaliada em 7.552 milhões de euros - corresponde ao rendimento anual de cerca de 2 milhões de pensionistas e reformados do sistema público de segurança social. Só no primeiro trimestre de 2005, os 4 maiores bancos privados lucraram 727 milhões de euros. Em 2005, os lucros líquidos das 500 maiores empresas não financeiras a funcionar em Portugal somaram 3.488 milhões de euros (cerca de 700 milhões de contos), ou seja, mais 57,9% do que em 2001.(1).
Esta realidade não acontece por acaso, nem é uma fatalidade. Ela é a consequência das políticas dos governos ao serviço das classes dominantes.
Não é por acaso que o Plano Nacional para a Inclusão para 2006-2008, aprovado pelo Governo do PS, não apresenta qualquer meta para a redução da taxa de pobreza em Portugal. O primeiro PNAI/ 2001-2003 estabelecia como meta «reduzir o risco de pobreza para 17% até 2005 tornando-se igual à média Europeia». O segundo PNAI para 2003-2006 veio a estabelecer a meta de redução da pobreza para 19% em 2005. No entanto, em 2004, cerca de 21% da população portuguesa vivia abaixo do limiar da pobreza (face a 16% na União Europeia/25)(2).
Enfrentar ou atenuar
situações extremas?
Tal como os anteriores governos, que não cumpriram as metas de redução da pobreza estabelecidas, o actual Governo do PS sabe que a natureza das suas políticas económicas e sociais não permitirá reduzir a taxa de pobreza, nem tão pouco permitirá o sucesso da preconizada intervenção junto de grupos sociais de risco. Pelo contrário, a ofensiva em curso no plano político, económico e social faz emergir novos e perigosos riscos de alastramento das situações de pobreza e de exclusão social.
No centro das preocupações das políticas de direita e dos seus executores não está a redução da pobreza e da exclusão social. O que está, sim, é o objectivo de gerir as situações extremas de pobreza, de modo a reduzir os seus custos financeiros. O que está em causa é atenuar as situações extremas de pobreza e não garantir o direito a ter direitos aos que vivem do seu trabalho ou da sua reforma, aos que se encontram numa situação de pobreza ou de exclusão social. É, aliás, nesta filosofia que se insere a contra-reforma do PS contra o sistema público de segurança social e o ataque ao Serviço Nacional de Saúde e a outras importantes funções sociais do Estado. É nesta filosofia que radicam os diversos apelos à mobilização da sociedade civil e a convocação de cada um e de todos para que assumam «uma atitude solidária e de ajuda aos mais pobres e aos que mais precisam».
Importa clarificar a natureza ideológica e política de tais apelos. Ela assenta na inevitabilidade política e social da pobreza e comporta a ideia de que a sociedade civil é um todo homogéneo, quando a verdade é que nesta sociedade civil existem classes sociais diferentes e antagónicas: mais de 70% dos cidadãos têm como única fonte de rendimento o seu salário ou a sua pensão e estão sujeitos a uma injusta distribuição do rendimento nacional. Mas nesta dita «sociedade civil» estão também os que se apropriam e detém a riqueza produzida: o grande patronato e o capital financeiro. Assim, não é sério nem eficaz que, a partir do Estado, se faça a apologia da solidariedade da sociedade, quando ele próprio se demite das suas especiais responsabilidades na garantia do direito a ter direitos e na promoção da coesão económica e social do País. É que isso, afinal, não passa da mera gestão das situações extremas de pobreza, fomentando uma concepção assistencialista e caritativa das funções do Estado em detrimento do direito a ter direitos. A pobreza não se combate com boas vontades mas com novas políticas! Que a enfrentem!
(1) - Estudo de Eugénio Rosa
(2) - Plano Nacional de Inclusão 2006-2008
Não é por acaso que Portugal continua a ter um dos mais elevados graus de desigualdade na distribuição do rendimento nacional da União Europeia. A proporção do rendimento recebido, em 2004, pelos 20% da população com maiores rendimentos era 7,2 vezes superior à recebida pelos 20% da população de menores rendimentos, contra os 4,8 da UE.
A fortuna das 10 famílias mais ricas - avaliada em 7.552 milhões de euros - corresponde ao rendimento anual de cerca de 2 milhões de pensionistas e reformados do sistema público de segurança social. Só no primeiro trimestre de 2005, os 4 maiores bancos privados lucraram 727 milhões de euros. Em 2005, os lucros líquidos das 500 maiores empresas não financeiras a funcionar em Portugal somaram 3.488 milhões de euros (cerca de 700 milhões de contos), ou seja, mais 57,9% do que em 2001.(1).
Esta realidade não acontece por acaso, nem é uma fatalidade. Ela é a consequência das políticas dos governos ao serviço das classes dominantes.
Não é por acaso que o Plano Nacional para a Inclusão para 2006-2008, aprovado pelo Governo do PS, não apresenta qualquer meta para a redução da taxa de pobreza em Portugal. O primeiro PNAI/ 2001-2003 estabelecia como meta «reduzir o risco de pobreza para 17% até 2005 tornando-se igual à média Europeia». O segundo PNAI para 2003-2006 veio a estabelecer a meta de redução da pobreza para 19% em 2005. No entanto, em 2004, cerca de 21% da população portuguesa vivia abaixo do limiar da pobreza (face a 16% na União Europeia/25)(2).
Enfrentar ou atenuar
situações extremas?
Tal como os anteriores governos, que não cumpriram as metas de redução da pobreza estabelecidas, o actual Governo do PS sabe que a natureza das suas políticas económicas e sociais não permitirá reduzir a taxa de pobreza, nem tão pouco permitirá o sucesso da preconizada intervenção junto de grupos sociais de risco. Pelo contrário, a ofensiva em curso no plano político, económico e social faz emergir novos e perigosos riscos de alastramento das situações de pobreza e de exclusão social.
No centro das preocupações das políticas de direita e dos seus executores não está a redução da pobreza e da exclusão social. O que está, sim, é o objectivo de gerir as situações extremas de pobreza, de modo a reduzir os seus custos financeiros. O que está em causa é atenuar as situações extremas de pobreza e não garantir o direito a ter direitos aos que vivem do seu trabalho ou da sua reforma, aos que se encontram numa situação de pobreza ou de exclusão social. É, aliás, nesta filosofia que se insere a contra-reforma do PS contra o sistema público de segurança social e o ataque ao Serviço Nacional de Saúde e a outras importantes funções sociais do Estado. É nesta filosofia que radicam os diversos apelos à mobilização da sociedade civil e a convocação de cada um e de todos para que assumam «uma atitude solidária e de ajuda aos mais pobres e aos que mais precisam».
Importa clarificar a natureza ideológica e política de tais apelos. Ela assenta na inevitabilidade política e social da pobreza e comporta a ideia de que a sociedade civil é um todo homogéneo, quando a verdade é que nesta sociedade civil existem classes sociais diferentes e antagónicas: mais de 70% dos cidadãos têm como única fonte de rendimento o seu salário ou a sua pensão e estão sujeitos a uma injusta distribuição do rendimento nacional. Mas nesta dita «sociedade civil» estão também os que se apropriam e detém a riqueza produzida: o grande patronato e o capital financeiro. Assim, não é sério nem eficaz que, a partir do Estado, se faça a apologia da solidariedade da sociedade, quando ele próprio se demite das suas especiais responsabilidades na garantia do direito a ter direitos e na promoção da coesão económica e social do País. É que isso, afinal, não passa da mera gestão das situações extremas de pobreza, fomentando uma concepção assistencialista e caritativa das funções do Estado em detrimento do direito a ter direitos. A pobreza não se combate com boas vontades mas com novas políticas! Que a enfrentem!
(1) - Estudo de Eugénio Rosa
(2) - Plano Nacional de Inclusão 2006-2008